Jeean
Karlos Souza Gomes1
João
Luis Pereira Ourique2
Introdução
“La
trata negrera es […] la mayor tragedia de la historia de la
humanidad.” (UNESCO, 2004). Segundo a UNESCO, a escravidão foi uma
grande injustiça social e um crime contra a humanidade, diante
disso, é necessário o reconhecimento da cultura negra, pois
com a diáspora desse povo, muita riqueza cultural
foi perdida,
e
vale
ressaltar que essa
cultura
é, muitas vezes, deixada de lado nas
escolas,
sendo trabalhada apenas no dia da consciência negra: 20 de novembro.
Uma
das maneiras de se trabalhar a cultura é através da literatura,
visto
que
ela
possui um caráter ficcional ou dramático, estando presente nas
civilizações primitivas
às avançadas, é uma produção artística recorrente em várias
culturas (CANDIDO, 2011),
ela
demostra ser um terreno propício para resgatar visões, padrões
sociais, mitos e
hierarquias
de épocas estranhas à
nossa, porém pertencentes à nossa história.
Dessa
forma, pretende-se levar
textos de épocas distintas para o ensino médio, para
se aproveitar desse
caráter literário entrando na
cultura de uma forma mais profunda, levantando alguns
tópicos como: apagamento
cultural, o papel secundário do negro nos textos literários e
preconceito cultural. Esse
último está muito presente na sociedade, pois se
vê
a intolerância em todos os lados, principalmente a intolerância
religiosa, a qual também será abordada.
A
questão religiosa será vista de uma perspectiva lúdica, até para
dar
uma dinâmica nas aulas e,
desse
modo,
o jogo poderá despertar o interesse de leitura da turma para textos
que sem a mediação do jogo de mesa não ocorreria.
Por isso foi escolhido o RPG
para explorar o panteão africano. Além
do mais, a escolha do RPG
é justificada na falta dos
deuses africanos, os quais
ficam
segregados apenas nos rituais religiosos, ao
contrário
de outras mitologias presentes no entretenimento dos jovens, dois
exemplos disso são as mitologias grega e escandinava, como escreve
Franchini e Seganfredo (2009,
p.7):
um
fato claramente observável é o de que os deuses africanos continuam
a estar em segundo plano na preferência dos aficionados pela
mitologia, como se fossem deuses menores ou de pouca importância.
(Basta observar, p. ex., os manuais de RPG – jogo virtual
caracterizado pela apropriação maciça de elementos ficcionais
oriundos da mitologia universal-, para verificarmos a quase total
ausência dos deuses negros no panteão das divindades consideradas
dignas de tomarem parte nos seus rocamboles interativos.
Quebrar
a intolerância, ou pelo menos tentar derrubar um pouco desse
preconceito e também
aprender literatura brasileira é um dos objetivos desse projeto. Ao
mesmo tempo, estabelece um diálogo entre a cultura popular e a
cultura POP,
dessa forma, o conteúdo proposto passa a fazer sentido para os
jovens tão distanciados da literatura.
Figura 1: Imagem disponível em: http://www.nerdmaldito.com/2015/09/voce-sabe-como-funciona-o-rpg-de-mesa.html
O
que é RPG?
O
Role
Playing Game (em
português: jogo de interpretação de papeis),
mais
conhecido como RPG
de
mesa ou simplesmente RPG
surgiu nos Estados Unidos na década de 70
do século passado, seus
criadores foram: Gary Gygax e Dave Arneson, empolgados com a leitura de “O Senhor dos Anéis”, criaram um
mundo medieval
similar,
com elfos, anões, magias e etc.
A
primeira versão do
jogo foi
chamada de Dungeons
& Dragons(Masmorras
e Dragões, em português).
Também
foi inspirado no jogo de tabuleiro WAR,
porém com uma dinâmica peculiar, em que, diferentemente do jogo que
o inspirou cuja o jogador controla um exército, no RPG
o
jogador controla apenas uma personagem,
passam interpretá-la explorando suas fobias, habilidades e
fraquezas.
Nessa
parte entra o Role
Playing, ou
seja, a interpretação feita pelo jogador para a sua personagem da
aventura, algumas mesas do jogo prezam mais pela interpretação,
outras preferem a ação do combate.
A
história
é narrada pelo mestre, esse por sua vez, fica
com
o papel de preparar a aventura previamente, planejando cenário,
personagens,
um possível enredo a
ser seguido,
contudo o enredo no RPG
nunca
é seguido fielmente ao que o mestre preparou já que se trata de uma
história construída coletivamente, entre jogadores e mestre.
A
dinâmica do jogo é regida por dados, sistemas como Dungeons
& Dragons, Old
Dragon exigem
dados de até 20 lados, porém outros sistemas podem
ser jogados com os dados comuns, como
por exemplo Mighty
Blade
em que se usa apenas dados de
6 lados. Além
de dados, precisa-se apenas de
papel, lápis, caneta, borracha e uma imaginação fértil.
Com
o passar do tempo, outras modalidades foram surgindo e, hoje
em dia,
há muitos jogos eletrônicos inspirados no
RPG de
mesa,
como
é o exemplo da modalidade MMORPG (Massive
Multiplayer Online RPG - Jogos de Interpretação Online Massivos),
alguns títulos presentes no Brasil são: Os Reinos da Renascença, Tíbia, Priston Tale, Perfect World, W.D.Y, Ragnarök Online e etc.
Os
dois últimos são inspirados na mitologia nórdica.
Nos
dias de hoje,
o RPG
é
um dos principais ícones da cultura POP,
sendo
jogado no mundo inteiro.
Embarcando
na aventura
As
aulas serão expositivas e interativas, em que serão
estudados
os períodos literários, começando
pelos princípios da nossa literatura: a escola Barroca indo até a
contemporaneidade.
Porém
não obedecerá
uma ordem cronológica rígida
com um ponto de partida e um ponto final, o
que possibilita,
na mesma aula/sessão, abordar obras de escolas literárias
diferentes.
Por
causa da indisponibilidade de tempo,
focaremos em poemas, contos
e crônicas.3
Dessa maneira, dependendo das aulas serão distribuídos xerox ou serão exibidos slides no quadro, para a turma poder acompanhar os textos. Como este projeto destina-se a estudar a representação e a contribuição do negro na literatura, as obras foram selecionadas com esse objetivo.
Dessa maneira, dependendo das aulas serão distribuídos xerox ou serão exibidos slides no quadro, para a turma poder acompanhar os textos. Como este projeto destina-se a estudar a representação e a contribuição do negro na literatura, as obras foram selecionadas com esse objetivo.
Na
primeira aula será introduzido o RPG, abordaremos alguns
conceitos e características, o professor explicará a sigla do
Role-Playing Game e
contará um pouco de sua história, assim também fará a explicação
das principais regras do sistema usado no projeto.4 Os alunos já conhecedores do jogo poderão ajudar na explicação da
dinâmica e das regras.
Através
do jogo de mesa a mitologia africana será abordada dando um toque
lúdico no trabalho. A mecânica do jogo, como já foi explicada,
permite cada jogador controlar uma personagem, porém, prevendo o
número grande de pessoas na turma, isso passa a ser inviável,
portanto vão ser formados grupos de alunos em que cada grupo
controla uma personagem. Como o RPG permite criar uma
narrativa coletiva é importante ler o que escreve Micheletti:
Contar
histórias é uma atitude que nos vem dos primórdios da humanidade,
Em tempos muito antigos, as pessoas se reuniam para ouvir histórias
e… aprender; contar histórias e ouvi-las era ma forma de ensinar e
aprender. O narrador era alguém mais velho que transmitia o seu
saber aos mais jovens.(2002, p.65)
Levando
em consideração a afirmação acima, o RPG, mesmo que os
jogadores não percebam, acaba tendo o papel de
resgatar um velho costume da humanidade: contar histórias em grupo,
em roda de família, porém de uma forma impar, em que cada um
contribui com cenários, personagens, ações e etc. Como um dos
objetivos é unir literatura e RPG, os poemas, contos e
crônicas serão vistos na narrativa do jogo, da forma em que serão
contextualizados na história, enriquecendo o enredo e as descrições,
alguns poemas podem ser citados pelos jogadores, pelo mestre e nesse
ponto vale ressaltar que a oratória passa a ser trabalhada, assim
também como a parte das interpretações das personagens pelos
jogadores, desse modo, explora-se o lado corporal dos alunos o que
assimilha-se, tenuemente, com o teatro.
Para
ilustrar como as obras literárias estarão nas aventuras, torna-se
necessário a exposição de um trecho da história como por exemplo
uma possível viagem de navio feita pelas personagens (viagem da
diáspora do povo negro), pode começar com a discrição da cena com
o poema: O Navio Negreiro de Castro Alves “’Stamos em
pleno mar… Do firmamento/Os astros saltam como espumas de ouro…/O
mar em troca acende as ardentias/- Constelações do líquido
tesouro...”, após desembarcar em um cidade, podemos utilizar o
poema: Descrevo
que era Realmente Naquele Tempo a Cidade da Bahia, usando
alguns trechos “A cada canto um grande conselheiro,/que nos quer
governar cabana, e vinha,/não sabem governar tua cozinha,/e podem
governar o mundo inteiro./Em cada canto um frequentador olheiro,/que
a vida do vizinho , e da vizinha/pesquisa, escuta, espreita, e
esquadrinha,/para a levar à Praça, e ao Terreiro.” Dessa forma,
duas obras foram vistas na história do jogo, porém elas são de
épocas distintas, o que ao final da aula pode abrir um bom debate a
cerca desses períodos literários, por isso reservaremos de 15 à 20
minutos do término da aula para assinalar as partes em que as obras
apareceram na sessão.
Há
dois tipos principais de personagens no RPG,
o PdM
(personagem do mestre), essas
personagens aparecem para contribuir de alguma forma com o enredo
tanto para dar informações aos aventureiros quanto também para
vender ou comprar alguma coisa, em alguns momentos elas aparacem para
explicar uma situação. Alguns PdM’s,
também
podem desempenhar o papel de vilão. O
outro tipo de personagens são PJ (personagem jogador), essa
personagem é controlada pelo jogador, o jogador passa a ser
responsável pelas suas ações e conquistas.
É
interessante salientar que cada personagem criada tanto pelo mestre,
quanto pelos jogadores, terão suas características, limitações e
potencialidades construídas a partir do período literário
referido, como por exemplo, uma personagem da escola barroca pode
hesitar na hora de tomar alguma decisão que envolva fé ou razão,
pois esse período foi caracterizado pelo embate entre ambos, do
mesmo modo em que uma personagem do período do Arcadismo prefira
viver no campo sendo um pastor e não um aventureiro nato e assim por
diante. Além da característica do período literário, os jogadores
também irão escolher um Orixá protetor, o qual o acompanhará na
aventura e também fará parte das características das personagens.
No
mundo dos orixás
O
cenário
do jogo será no Brasil, entretanto cada Orixá selecionando para
jogo
terá um reino/tribo
na
Africa para
cada Orixá,
como
por exemplo, Ogum, o Orixá
da espada, da guerra e da metalurgia, será rei da tribo de Irê,
já que ele se tornou rei ao revelar ao homem o segredo da
forja de
espada.
Quem
o
escolher
para ser o seu protetor durante a aventura, terá uma tendência mais
inclinada para combate e consequentemente carregará alguns segredos
da metalurgia. Oxóssi, Orixá
da caça e da floresta, é um caçador nato e nunca errou a sua
apontaria, sua tribo é
Ketu, quem o escolher terá vantagem no ofá,
arco. Iemanjá, Orixá das águas e dos mares, sua tribo é Abeokuta,
atual capital do estado de Ogun, Nirgéria, o jogador que a escolher
terá vantagens em algumas ações como por exemplo a natação.
Iansã
é uma Orixá guerreira responsável pelo elemento vento e pela
tempestade, logo o jogador que a escolher, terá algum domínio sobre
seus poderes. A sua tribo será perto do Rio Níger, o terceiro maior
rio da África. A tribo de Exu será Ijebu, uma vez que ele se
tornou rei de lá com os seus estratagemas. É o Orixá protetor dos
caminhos e ataca os inimigos. Sua arma é um ogó, poderoso
porrete, quem escolher Exu como seu protetor, terá vantagem nas
artimanhas/arte manha, assim também como ganhará um bônus no
movimento. Xangô, Orixá da justiça e dos raios, será rei da tribo
de Oyó, Nigéria, como diz a lenda, Xangô teria se tornado rei após
ter destronado seu irmão Dadá-Ajaká, sua arma é o oxé, um
machado de dois lados. Quem escolher esse Orixá terá um senso de
justiça mais apurado e habilidades com os raios.
Ossaim
é o Orixá das plantas e das folhas, junto com Oxóssi, governa as
florestas, também é conhecido por possuir segredos medicinais.
Ossaim será o único Orixá sem uma tribo definida, pois como diz a
lenda, quando cresceu, fugiu para a floresta e lá permaneceu
escondido e aprendeu vários encantamentos. O jogador que o escolher
como seu protetor, terá os conhecimentos das folhas medicinais, logo
poderá restaurar os pontos de vida do seus companheiros.
Exemplo
de ficha
Apenas
para ilustrar, logo abaixo tem um modelo de ficha de um jogador:
Como
dá para perceber, na parte das habilidades no canto inferior da
ficha acima, o Orixá protetor é Oxóssi que combina com a classe
escolhida pelo jogador, patrulheiro (arqueiro), desse modo, o jogador
pode acionar essa habilidade quando lhe for conveniente. Assim
sendo, a mitologia africana é introduzida no RPG.
Notas
1- Graduando
em Letra Português e Literatura pela Universidade Federal de Pelota
2- Professor Dr. na área de
Letras pela Universidade Federal de Santa Maria, atualmente professor
Adjunto na Universidade Federal de Pelotas.
3-
As obras selecionadas foram: Preceito
I, Descrevo que era Realmente Naquele Tempo a Cidade da Bahia, Juízo
Anatômico da Bahia (Gregório
de Matos). Cartas
Chilenas (Tomás
Antônio Gonzaga). Navio
Negreiro, Tragédia no Lar e Vozes d’Africa (Castro
Alves). O
conto da vara e
Pai contra Mãe (Machado
de Assis). O
Feitiço e A casa das almas (João
do Rio). O
Mulato (Aluíso
de Azevedo). Livre
(Cruz
e Sousa). 15
de novembro, A polícia suburbana (Lima
Barreto). Pedro
Mico (Antônio
Callado). Essa
Nega
Fulô, Xangô e
À
Noite desabou sobre o cais
(Jorge de Lima). Orfeu
da Conceição (Vinícius
de Moraes).
4- O sistema escolhido foi o: Mighty
Blade por ser um sistema voltado para iniciantes e com regras
simples.
Referências
bibliográficas
BARBOSA
J. Ademir. Mitologia do orixás: Lições e aprendizados.
São Paulo: Anúbis, 2014.
CANDIDO, Antonio. Vários escritos, 5 ed. Ouro Azul, Rio de Janeiro, 2011. FRANCHINI, A. S.; SEGANFREDO, Carmen. As melhores histórias da mitologia africana. 2 ed. Porto Alegre, RS: Artes e Oficios, 2009.
JUNGES,
Tiago; GAY, Domênico; ABEL, Luciano. Mighty Blade. 3
ed. Porto Alegre: Tiago Junges, 2017.
MICHELETTI, Guaraciaba. (Coord). Leitura e construção do real: o lugar de poesia e da ficção. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2002.
PERES,
Fernando da Rocha. Negros e Mulatos em Gregório de Matos.
Curso ministrado no Centro de
Estudos Afro-Orientais da Universidade da Bahia, 1967.
PRANDI,
Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo, Companhia das
Letras, 2001.
Seleção
de textos, notas, estudos bibliográfico, histórico e crítico e
exercícios por Maria Lajolo e Samira Campedelli. Castor
Alves Literatura Comentada.-
São Paulo: Abril Educação, 1980.
UNESCO.
Luchas contra la Esclavitud: Año Internacional de
Conmemoración de la lucha contra la Esclavitud y de su Abolición.
Talleres de la Unesco. Françai/
França, 2004.
Nenhum comentário:
Postar um comentário