sexta-feira, 8 de março de 2024

HISTÓRIA DA DRAMATURGIA BRASILEIRA - 09 de abril

 



UM CREDOR DA FAZENDA NACIONAL - QORPO SANTO




Considerações a partir dos textos:

CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. 8. ed. São Paulo: T.A. Queiroz, 2000.

ESSLIN, Martin. O teatro do absurdo. Tradução: Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.

WILLIAMS, Raymond. Drama em cena. Tradução: Rogêrio Bettoni. São Paulo: Cosac Naify, 2010.

9 comentários:

  1. Há quem defenda que o Qorpo Santo seria um dos pioneiros do teatro do absurdo, podemos considerar que essa obra, Um Credor da Fazenda Nacional, apresenta elementos do teatro do absurdo, inclusive, na linguagem, pois a linguagem e as interações entre os personagens são marcadas por uma falta de comunicação efetiva, com diálogos que muitas vezes parecem não levar a lugar algum. Os personagens, por vezes, parecem presos em uma burocracia absurda e sem sentido, incapazes de resolver suas questões de forma direta e eficiente. Isso reflete a visão absurda do mundo como caótico e desprovido de significado claro. Dessa forma, creio que esse roteiro especificamente se realiza de fato no palco, como disse Martin Esslin “O teatro sempre foi mais que a mera palavra. Somente a linguagem permite a leitura, mas o verdadeiro teatro só pode se manifestar na execução do espetáculo.”

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  2. O aspecto da peça de Qorpo-Santo que mais me chamou atenção foi quando, ao final da peça, vi a data de escrita: 1866. Fiquei me questionando como é possível que um texto escrito há tantos anos atrás ser ainda tão atual, visto que eu diria que, uma das personagens principais da peça é a própria burocracia, visto que ela se faz presente do início ao fim da história. É possível perceber o cansaço e a frustração do Credor (que, no segundo ato, descobrimos se tratar do próprio Qorpo-Santo) ao deparar-se com diferentes aspectos burocráticos todas as vezes que tenta ter sua demanda atendida pelos funcionários da repartição pública. Esta frustração é palpável nas próprias palavras do personagem: "estou doente; e assim fico todas as vezes que venho a esta casa e dela saio sem dinheiro!" Acompanhamos o esforço do Credor na busca de receber o dinheiro que precisa em contraste com a falta de vontade de atender aos pedidos do cliente dos funcionários da repartição. Outro aspecto interessante é a falta de responsabilização dos personagens, o serviço não está sendo feito, mas isso não é culpa/responsabilidade de nenhum funcionário que se recuse de fazê-lo, eles, coletivamente, se isentam da responsabilidade de cumprirem com suas próprias obrigações. É uma peça bastante interessante ao meu ver, especificamente pelo fato de ser tão antiga mas continuar se encaixando na "burocracia moderna" e por conseguir contar uma história bem construída, com inúmeras críticas, elementos cômicos e absurdos em apenas 3 páginas.

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  3. Ao ler a peça “Um credor da fazenda”, de Qorpo Santos, minha primeira reação foi a de familiaridade. Embora ela tenha sido escrita há 158 anos e se passe na época da monarquia, a enrolação da burocracia e o descontentamento que causa nas pessoas não está nem um pouco longe da realidade atual. No entanto, não se pode negar que há uma crítica mais profunda nela: a ideia de incendiar os papéis da repartição pública, ato associado à mudança da monarquia para a república e ao descontentamento das pessoas, percorre toda a história. A caixa de fósforo, entregue pelo Outro ao Credor, é um símbolo do fogo se alastrando não só fisicamente pelos papéis ao final da peça, mas como ideias na mente das pessoas descontentes com o estado das coisas.
    Não tenho conhecimento suficiente, nem encontrei informações sobre, para afirmar que a peça em questão é pertence ao teatro do absurdo. Mas, lendo o capítulo oito, intitulado “O significado do Absurdo”, do livro “O Teatro do Absurdo”, organizado por Martin Esslin, certamente é possível traçar aproximações. O ato de incendiar papéis é inerentemente disruptivo; tem como intenção quebrar o automatismo em que as pessoas vivem, convida-as a agir e não permanecer complacentes a estruturas que discordam. E é justamente esse uns dos objetivos do teatro do absurdo: romper com o automatismo em uma “tentativa de dar ao homem consciência da realidade última de sua condição” (p. 446).

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  4. A peça de Qorpo-Santo apresenta uma crítica social à ineficiência e exacerbada morosidade do serviço público para tratar do interesses de um cidadão. De certo modo, a peça reflete uma indignação hiperbólica do indivíduo frente à burocracia das repartições públicas. Com isso, percebe-se que peça traz um cenário corriqueiro do dia a dia de um sujeito comum que não consegue realizar uma simples transação financeira a seu favor. Ademais, ao remover os nomes individuais dos personagens, com exceção daquele nomeado “Credor” (o qual depois se revela homônimo ao autor), direciona-se a atenção do público para as ideias, temas e conflitos principais da peça. Isso permite que os diálogos e ações dos personagens sejam interpretados mais como representações de questões sociais, políticas ou filosóficas, que ganham maior protagonismo, em vez de serem vistos como eventos específicos na vida de personagens individuais. A ausência também ratifica a frieza das relações sociais ou as consequências impessoais das decisões políticas e econômicas.
    Considerando que a obra é 1866, a temática e a estrutura textual da peça, não convencionada aos moldes do gênero dramático tradicional, parecem refletir uma tendência que o crítico Raymond Williams pontua como fruto da “revolução naturalista”, que ocasionou “uma mudança crítica e revolucionária da produção dramática de algo concebido, de um lado, para a reprodução dramática de uma ordem de experiência humana diferente e mais especificamente humana, de outro” (2010, p. 223). Nesse contexto, o teatro passou dar maior foco à ação humana, “não importa quão localmente ela possa se apresentar, em vez de enquadrá-la em uma realidade divina ou cósmica” (2010, p. 223).
    Essa tendência, que está presente na peça de Qorpo-Santo, reverberou no gênero dramático ainda alguns anos depois. Na segunda metade do século XX, a exemplo do Teatro do Absurdo, os dramaturgos frequentemente exploravam temas como a falta de sentido da vida, a incomunicabilidade humana, a alienação, a burocracia, a repetição, o absurdo das convenções sociais e a perda de identidade. Como sublinha o autor Esslin, “O Teatro do Absurdo desistiu de falar sobre o absurdo da condição humana; ele apenas o apresenta tal como existe – isto é, em termos de imagens teatrais concretas” (2018, p. 22-23).
    Essas reflexões se coadunam à tese de Cândido, ao ressaltar que “a literatura, como fenômeno de civilização, depende, para se constituir e caracterizar, do entrelaçamento de vários fatores sociais” (2006, p. 21). Não obstante, no que concerne ao exercício da crítica literária, deve-se ponderar a função social da obra literária, visto que, segundo ele, um caminho “é ter consciência da relação arbitrária e deformante que o trabalho artístico estabelece com a realidade, mesmo quando pretende observá-la e transpô-la rigorosamente, pois a mimese é sempre uma forma de poiese” (2006, p. 22).

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  5. Num ponto em específico na peça de Qorpo Santo, há uma discussão no primeiro ato que chama muita a atenção e, para mim, se destacou para além do restante. Na discussão do Contínuo com o Porteiro, é citado pelo Porteiro as 4 reinvidicações dos empregados, no qual notei uma certa similiaridade com as novas propostas de reinvindicação do proletariado, em especial dos chamados "geração Z", sobre a organização social e econômica contemporâneas que precisam por serem reformuladas. Com isso, pego a citação de Candido sobre Sainte-Beuve para trazer essa questão, em que "o poeta não é um resultante, nem mesmo um simples foco refletor; possui o seu próprio espelho, a sua mônada individual e única. Tem o seu núcleo e o seu órgão, através do qual tudo o que passa se transforma, porque ele combina e cria ao devolver à realidade". Tendo essa fala de Sainte-Beuve em vista, podemos deflagar uma expressão do que estava sendo posto no Século XIX pelas classes mais baixas através da criação teatral de José Joaquim de Campos Leão (Qorpo Santo), sendo então uma retratação das discussões que estavam ocorrendo naquele período. Com isso, me foi ainda mais engraçado a reação do Contínuo perante a fala do Porteiro, já que também é bastante atual em como até hoje existe esse problema de comunicação entre as pessoas sobre seus direitos e o funcionamento da sociedade, principalmente entre gerações, traçando um problema social que se demonstra mais antigo do que contemporâneo. A peça me foi bastante divertida pelo seu criticismo, mas creio que estes pontos sobre expressar a sociedade e o interesse nos problemas sociais, como fala Candido em "A literatura e a vida social", foram o que mais me chamaram a atenção ao analisar esta produção, me fazendo repensar sobre as novas reinvidicações do mundo atual, que estão cada vez mais nítidas e latentes na sociedade, pois há uma urgência cada vez maior de se (tentar) findar o Capitalismo tardio, a extrema pobreza e a ebulição global. Essa relação entre passado e presente é o que pareceu por tornar a obra mais interessante do que já é ao discutir os problemas e situações de seu tempo.

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  6. A obra ‘’Um Credor da Fazenda Nacional’’ de Qorpo Santo mostra como as demandas e dificuldades burocráticas ocorrem na sociedade. Ao longo da obra, os personagens relatam suas frustrações, pois duas demandas não são atendidas pelas pessoas que tinham por objetivo resolver os problemas expostos. No texto, os problemas enfrentados pelos personagens provocam com que um deles chegue ao extremo ao colocar fogo no ambiente.
    Assim, um dos textos teóricos, no capítulo Literatura e a Vida Social, do livro Literatura e Sociedade, Antônio Candido apresenta algumas questões sobre como a sociedade é retratada nas artes. Para o autor, a sociedade está presente no texto ficcional, pois por muito tempo as sociedades foram mostradas em suas épocas por meio da literatura. Assim como a literatura, por muito tempo teve um papel importante na história e em outras camadas da sociedade. Sendo assim, Candido relata que, por muitas vezes, a arte reflete a realidade.
    Por fim, percebe-se que a obra de Qorpo Santos reflete questões sociais atuais, o que mais chama a atenção é que o texto publicado em 1866 ainda é tão presente, pois, muitas vezes, percebemos que situações assim são presentes na sociedade atual.

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  7. A partir da discussão do Raymond compreendemos que quando falamos sobre representar um texto no teatro é uma ação instável, isso porque podem ocorrer variações. Raymond, em Drama e cena, afirma que “a fala escrita é conversação provável”, ou seja, o texto escrito revela uma fala que seria possível, mas quando essa fala é interpretada pode ser dita de diversas maneiras. No caso do Ato Segundo, quando o Credor e o contador estão conversando, as falas estão expostas, mas a depender de como eles serão representados, a emoção ou falta dela que colocarão no texto ao encenar provocará diferentes reações ao público que assiste o espetáculo. Esse é um dos fatores que torna a experiencia de ler uma peça diferente de assisti-la sendo representada.
    Para mais, Candido, em A personagem de ficção, afirma que “não são mais as palavras que constituem as personagens e seu ambiente. São as personagens (e o mundo fictício da cena) que “absorveram” as palavras do texto e passa a constituí-las, tornando-se a fonte delas”. Isso ocorre, principalmente, quando na representação do texto o foco narrativo é tirado, na fala escrita nós precisamos de direcionamentos como “dirigindo-se ao chefe”, “entrando”, “apontando” ou “o Credor sai e o outro entra”, isso é para conseguirmos compreender o texto narrado, mas no teatro o ator irá incorporar essas ações e elas não precisarão serem ditas, pois, o personagem “absorve” essas palavras e representam.

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  8. Anthony Moreira Marques Colares9 de abril de 2024 às 23:48

    Creio que a obra em questão tem muitos aspectos que se assemelha ao que vem se conhecer depois pelo teatro do absurdo. Diferente de algumas outras peças dramáticas, vemos que ela exige um pouco mais de atenção para se chegar a uma íntegra interpretação de qual o tema abordado pela mesma. Outro aspecto que podemos considerar de extrema importância para levar a compreensão da peça, é, justamente, o contexto histórico e até mesmo o imaginário social, sobretudo o brasileiro, que mantém como pensamento quase geral a falta de funcionalidade das repartições públicas, tanto atuando de forma relapsa, quanto não atuando. Claro que isto tudo não é o suficiente para ligar a peça de alguma forma ao teatro do absurdo, que só veio a se materializar no meio artístico quase um século depois. Ainda sim, ao ler este texto, me lembrei um pouco de um que li há muito tempo atrás, chamado Esperando Godot, que ao meu ver, tem uma estrutura semelhante ao texto de Qorpo Santo.

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  9. Ao ler a obra em questão percebemos como ela é atual em seu tema, mesmo que sua data de escrita seja mais de 100 anos atrás. Percebemos ao longo do texto que a obra apresenta uma crítica social, apresentando toda a burocracia que passamos para conseguir algo do governo. E pensando nos textos teóricos, um deles fala sobre em como a sociedade está presente nos textos, já que por muito tempo as sociedades foram apresentadas em suas épocas pela literatura. Por isso um dos autores fala que
    muitas vezes a arte reflete a realidade.
    Concluindo, nota-se que a obra reflete questões sociais que também são atuais e que são considerados ainda como uma situação problemática tanto em 1866 como em 2024.

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