sexta-feira, 8 de março de 2024

HISTÓRIA DA DRAMATURGIA BRASILEIRA - 02 de abril


Considerações sobre a personagem a partir dos seguintes textos:

PALLOTTINI, Renata. Dramaturgia: a construção do personagem. São Paulo: Ática, 1998. 

PRADO, Decio de Almeida. A personagem no teatro. In: CANDIDO, Antonio. et al. A personagem de ficção. 10. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.

11 comentários:

  1. Inicialmente, ao ler Os deuses de casaca, surgiu o questionamento que se não fosse a "introdução" que o autor assina, por serem o prólogo e o epílogo personagens, isso não os tornaria narradores da obras? Logo, seria então essa história um conto ou uma novela? Visto que não há rubricas. Há uma fala introdutória que seria do autor, mas isso também aparece em outras narrativas do próprio Machado de Assis, não sendo suficiente ainda para caracterizar um roteiro teatral. No entanto, deparei-me com a seguinte reflexão do Décio de Almeida Prado, que que através das personagens é que temos a totalidade da obra teatral e isso ocorre em Os deuses de casaca, é através das personagens que tudo acontece. Por fim, para mim, fica nítido que as diferenças entre gêneros literários podem ser muito sutis.

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  2. Leandro Rodrigues Vieira2 de abril de 2024 às 20:06

    Achei incrivelmente interessante a relação das personagens do romance contra os personagens teatrais dentre os textos lidos. A construção que se faz de um personagem será notoriamente diferente entre um e outro. Pego como referência as peças "Os deuses de casaca" de Machado de Assis e "E não sobrou nenhum" de Agatha Christie. Em ambas as peças só sabemos questões fundamentais dos personagens pelos trajeitos e pelos diálogos, pelas interações entre os perosnagens (o que o personagem fala de si e o que os outros falam dele). Na peça de Machado, só entendemos que Júpiter é pai, figura de poder maior, entre os outros deuses, pelas relações abordadas dentro dos diálogos entre eles (as referências dos outros deuses a Júpiter, neste caso). Já em Agatha Christie, temos noção sobre os funcionários que vivem, e trabalham, na mansão da ilha apenas pelos seus trejeitos e diálogos entre si, reclamando da vinda de hóspedes na mansão e como se portam ao atendê-los no início do primeiro ato. Por outro lado, no romance, há quase que sempre uma descrição da psique e dos comportamentos e da vida dos personagens, algo que o leitor consiga se identificar, igual é dito no texto "A personagem no teatro" por Prado (2007): "A personagem teatral, portanto, para dirigir-se ao público, dispensa a mediação do narrador. A história não nos é contada, mas mostrada como se fôsse de fato a própria realidade". Nisso, se fala muito do seu uso pedagógico e como isso se imbrica em como o teatro trabalha o ser humano por si próprio, em presença viva e carnal do artista que se põe em atuação. Por outro lado, no romance, pegamos o exemplo da produção "São Bernardo" de Graciliano Ramos, e consiguiremos ver no primeiro Capítulo que o narrador-personagem Paulo Honório (este o protagonista da obra) inicia-se explicando uma divisão e em seguida discorrendo sobre outras personagens e questões que cercavam a si (ao personagem Honório), enquanto que, se fosse uma peça, já teríamos uma descrição maior do cenário e os personagens/atores postos no palco, tendo enfoque no diálogo e na atuação a ser seguida para conduzir a trama daquela peça. Esse diferença entre o discorrer da psique e da ação me chamou bastante a atenção, em especial pela peça de Machado de Assis colocar o "prólogo" e o "epílogo" como personagens, que possuem narrativas e abrem, e fecham, a apresentação teatral, traçando que, mesmo sendo o começo e a finalização, discorrem ainda assim de ação e de personificação por estarem lidando com um meio que trabalha o material, aquilo que precisa ser mostrado para ocorrer certa persuassão dos seus espectadores.

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  3. Anthony Moreira Marques Colares2 de abril de 2024 às 20:49

    Os textos machadianos não atoa se mostram como as obras mais primorosas do circuito literário brasileiro. Pode-se perceber na obra em questão, uma norma do gênero literário que se adequa bem ao estilo de escrita do próprio autor, uma vez que Machado de Assis seja um escritor que faz uso, dentro de seus romances, do narrador intradiegético, aquele que narra a história unicamente a partir de sua visão.
    Podemos supor tanto pelo texto de Pallottini quanto pelo texto de Salles Gomes, que o gênero dramático é o que em sua essência mais se aproxima da experiência humana, uma vez que estão todos limitados a sua própria perspectiva e unidades de ação, também referenciados no texto de Aristóteles.
    Uma vez observado isto, torna-se digno de observação também as personagens atuantes dentro da obra em questão, pois consegue-se perceber que as personagens da obra são os deusas da mitologia romana. É interessante observarmos a partir da construção desta obra e do que já mencionei anteriormente, que, uma vez que o texto dramático esteja mais aproximado da realidade humana, neste caso, é desenvolvido pelo panteão de deuses romanos, o que possibilita uma reflexão do leitor tanto pela análise das personagens presentes, quanto do imaginário que constrói o que temos em mente como cada deus ali, agindo ou falando. Isso por si só já assinalado por Salles Gomes, quando ele descreve as formas de como caracterizar as personagens do teatro, sendo pelo que elas revelam de si, pelas suas ações e pelo que outros personagens presentes falam da mesma.
    Acredito que a própria obra por si só já dialoga perfeitamente com os textos teóricos assinalados, pois vemos em seu desenrolar um grupo de deuses indo tomar seus lugares entre os mortais, o que nos ajuda a entender os conceitos da personagem do teatro, que se aproxima tanto da própria vida humana pela sua construção "narrativa". Dessa forma, vemos não meramente deuses, mas seres criados pelo imaginário humano, indo assentar-se entre aqueles que os idolatravam, e que sabemos, também os criaram. Talvez na personagem de Júpiter, possamos observar essa negação humana da sua própria condição, o que, em minha opinião, torna o texto um legítima oportunidade de promover uma catarse, para aqueles que compartilham de semelhante intepretação da peça e dos textos teóricos da área da dramaturgia.

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  5. Quero pontuar apenas duas coisas que me chamaram a atenção, a colocação do “prólogo” e do “epílogo” como personagens da obra. E a reviravolta no enredo, pois, inicialmente os deuses tratam os humanos como seres inferiores e no final escolhem se tornar humanos, interessante ver essa mudança e como eles mudam de opinião a partir de outras perspectivas. Além disso, é uma obra divertida de ler e assistir sua representação deve envolver ainda mais o leitor.

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  6. Essa foi minha primeira experiência lendo uma peça de teatro brasileiro e posso dizer que ela foi muito enriquecida pelos textos teóricos indicados – a leitura deles aprofundou minha compreensão dela. Assim como meus colegas expressaram, destacou-se para mim a diferenciação da personagem no romance e no teatro. Sempre fui muito imersa no gênero narrativo e o fluxo de consciência beira ao essencial para mim, especialmente em textos ficcionais próprios; então, imaginar a escrita de algo que não bebe disso é um desafio. No entanto, lendo a peça e tendo como base os textos (em específico, o capítulo “A personagem no teatro”, de Décio Prado), percebi de forma consciente o quanto da personalidade e posicionamentos de uma personagem pode ser comunicado por meio da descrição da linguagem corporal e tom de voz (que se traduzirão em pura ação quando em cena); e como é rica essa estrutura, como instiga nós, leitores e/ou espectadores, a refletir e desvendar os pensamentos por trás desses gestos, tons e falas. Na mesma linha, pergunto-me se essa base do teatro pode ser estendida a produções audiovisuais. Trago isso, pois atualmente estou assistindo à série “Succession”, que, de forma resumida, retrata uma família imersa em jogos de poder: não se tem acesso à consciência das personagens e, portanto, o espectador é convocado a desenredar as motivações das personagens a partir de suas ações. Parece-me, à primeira vista, que se encaixa, mas com certeza deve haver diferenças em outros níveis (em uma série ou filme, não há a recepção imediata da audiência, por exemplo).

    No mais, como também apontado por alguns colegas, o prólogo e epílogo ser uma personagem me cativou. A questão levantada pelo Ulisses me intrigou, isso faria deles narradores? Refletindo, penso que não, pois suas presenças são unicamente marcadas pela ação. Não estão sendo descritos, nem descrevendo as ações que se sucedem. Personificá-los, também, traz um quê de comédia e instala o tom da peça. Nesse sentido, é interessante observar o paralelo que se estabelece com o Prólogo se tornando o Epílogo e com os deuses “virando a casaca” (para usar do duplo sentido do título da peça, com licença à sua nota introdutória); afinal o prólogo e epílogo poderiam ter sido materializados em personagens diferentes, que não sofreriam nenhuma mudança em suas naturezas (em contraste com os deuses).

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  7. A obra teatral Os Deuses de Casaca, de Machado de Assis, apresentada em um único ato, narra um diálogo das personagens que seriam deuses greco-romanos. Na peça, as personagens possuem nomes romanos como Júpiter, Mercúrio, Apolo, entre outros. Sobre a obra, é interessante ressaltar a importância de como a história é apresentada.
    Logo no início, o prólogo mostra ressalvas do autor sobre algumas questões apresentadas na peça. Primeiro, a ausência de personagens femininas, que, segundo Machado de Assis, era uma exigência imposta ao autor. Segunda questão sobre a história ser uma comédia e como poderia ser interpretada de forma errada pelo leitor. E como a peça apresenta seus personagens em um diálogo sobre o debate sobre as questões humanas e o que é ser humano.
    No livro, A Personagem de Ficção, vemos alguns aspectos referentes à importância do personagem na literatura. No capítulo A Personagem no Teatro, Décio de Almeida Prado e Renata Pallottini explicam as diferenças da personagem no teatro e no romance. Segundo os autores, o texto teatral só existe porque há um personagem, diferente do romance que exige a necessidade de um narrador.
    Na peça Os Deuses de Casaca, essa a importância das personagens corrobora a explicação dos autores, pois são as personagens que materializam a história contada. Segundo Prado e Pallottini, o narrador em um romance atua como ’’Deus’’, pois ele descreve o ambiente, situa o contexto da obra e em alguns casos consegue adentrar o social e a psicológica das personagens. Já no texto teatral, o cenário é só uma alegoria. No entanto, a história só acontece e se desenvolveu porque existe a personagem e o seu discurso.

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  8. A peça de Machado de Assis alude à transição do teatro clássico para o moderno, onde os personagens não são mais ser exemplos de perfeição, mas refletem o processo de individuação humana, com todas as suas imperfeições mundanas. Inicialmente, destaca-se a figura do narrador como personagem que assume tanto o Prólogo quanto o Epílogo, marcando essa mudança de perspectiva na peça teatral.
    No enredo, os antigos deuses do Olimpo inicialmente resistem à nova realidade humana, mas acabam por aceitar sua mortalidade, como ilustrado na transformação de Cupido, que se adapta à condição humana, ainda que mantenha sua crença no amor. Júpiter e seus filhos percebem essa mudança nos demais deuses que não comparecem ao conselho, como Vênus, agora alheia à sua força divina: "Não era, não, meu pai, a deusa enamorada / Do nosso tempo antigo: estava transformada. / Já não tinha o esplendor da suprema beleza / Que a tornava modelo à arte e à natureza. / Foi nua, agora não. A beleza profana".
    Ao longo da peça, a perda do brilho heroico dos deuses é evidente, conforme reflete Júpiter ao reconhecer que o tempo da divindade findara: "É verdade! / São as recordações da nossa divindade, / Tempo que já não volta.". Nesse sentido, cabe ressaltar que o papel de Cupido, o mais jovem e adepto à realidade dos humanos, o qual questiona em dado momento a tentativa fútil dos deuses de impor sua divindade à humanidade contemporânea: “"Escutai; / Cometeis uma empresa absurda. A humanidade / Já não quer aceitar a vossa divindade. / O bom tempo passou. Tentar vencer hoje, é, / Como agora se diz, remar contra a maré. / Perdeis o tempo”.
    Ademais, essa reflexão sobre a mudança do perfil de personagem no teatro trazida por Machado também vai ao encontro da ponderação de Pallotini sobre essa questão: “As ligações com o divino, com as grandes forças da natureza, com as grandes paixões que se baseiam no mais profundo cerne do homem moral, fazem do personagem da tragédia clássica um ser peculiar, inteiro, que o personagem do drama moderno, fragmentado, não consegue ser" (Pallotini, 1989, p. 33).

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  9. Paula Ester Apolônia3 de abril de 2024 às 00:32

    Décio de Almeida Prado, 2007 afirma que a personagem é o “guia” responsável por expressar as diferenças entre o teatro e o romance. Pois, no teatro elas “constituem praticamente a totalidade da obra: nada existe a não ser através delas” (p. 84). Partindo dessa base teórica e utilizando como objeto de análise o texto machadiano “Os deuses de casaca”, é possível observar essa importância da personagem na peça teatral, uma vez que é por intermédio delas que todo o enredo se perpetua. Essa peça teatral é constituída por um diálogo entre deuses da Mitologia Romana, de modo que a história é narrada unicamente pelas personagens e o seu discurso. Um ponto que achei interessante e que também causou estranhamento nos colegas, foi a utilização do Prólogo e do Epílogo como personagens e a brilhante reviravolta da história.

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  10. Como fã de Mitologia Grega, a leitura da peça "Deuses de Casaca" me foi muito proveitosa, apesar de os nomes aparecerem em suas versões romanas. Uma das minhas falas favoritas da peça foi uma em que o Cupido comenta que a humanidade já não quer aceitar a divindade desses deuses e que tentar vencer, naqueles dias, seria o mesmo que remar contra a maré. Existe, na obra, o conflito das personagens em: perceber a humanidade como inferior e render-se a essa inferioridade na busca de relevância, ou de não se perder mais tempo. É interessante perceber o quanto esse tipo de texto conversa com a vida real, inclusive a vida real dos dias atuais, apesar de sua data de escrita/publicação. Fiquei o tempo todo lendo e pensando que, apesar de o autor vedar a presença de mulheres na representação peça (hehe), eu adoraria presencia-la no teatro. Sobre os textos teóricos, Pallottini traz a ideia de que o personagem é um ser que poderia ter sido, mas não necessariamente um ser que é - e que o personagem é um esquema de ser humano. As colocações da autora acerca do personagem teatral são bastante interessantes e oferecem uma reflexão potente acerca da constituição de um personagem, visto que ele se mescla com tantos outros elementos: com o autor, com o cenário, com sua caracterização, com as falas e com o próprio ator. É possível fazer uma leitura humanizada do personagem, porque nós (como pessoas e não como personagens) somos também personagens, personas, que dependemos tanto quanto os personagens teatrais dos nossos cenários, relações com os outros, nossas roupas e etc. Outra colocação, de Candido, que me proporcionou grande reflexão foi a seguinte: quando se trata do personagem tetaral, não são mais as palavras que constituem os personagens e o ambiente, mas sim o próprio ambiente e os próprios personagens que fazem uso das palavras do texto dramático e, assim, as constituindo. Isso ocorre na própria realidade. Enfim, todas as leituras foram bastante proveitosas e, mesmo já tendo lido outras peças ao longo da vida (na graduação fiz uma disciplina com a profa. Rubelise em que líamos peças teatrais de língua inglesa, como "Long Day's Journey Into Night", de Eugene O'Neill e "The Glass Managerie", de Tennesse Williams, assim como os colegas, fiquei bastante surpresa em ver o Prólogo e o Epílogo como personagens - foi uma surpresa bastante divertida porque, lendo a peça e os textos, a única coisa que me passou pela cabeça sobre isso foi... nossa! isso faz total sentido. Não teria como ser diferente no teatro.

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  11. Confesso que essa foi uma das poucas experiências que tive lendo uma peça de teatro, principalmente uma peça brasileira e por isso dificulta um pouco a leitura por ser uma área desconhecida.
    É interessante como a história é conduzida pelos personagens, mesmo não sendo de uma forma narrativa da qual nós (eu) estamos acostumados. Na obra, os personagens são guias para a história, pois são eles que contam o enredo, eles que determinam o que está acontecendo e o que vai acontecer. Por isso, segundo Décio Prado, o personagem tem um papel de extrema importância no teatro, já que é ele que transmite todas as mensagens e emoções da história através da sua interpretação. O teatro só existe porque há personagem. No caso desta obra, Machado traz o Prólogo e o Epílogo como personagens, o que não é comum e torna o enredo ainda mais interessante.

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